sexta-feira, 28 de outubro de 2011

O não cumprimento de transação penal gera o oferecimento da denúncia?

Verificando-se o entendimento do STF, o não cumprimento de transação penal implica em vista dos autos ao Ministério Público para oferecimento de denúncia. Contudo, segundo entendimento recente do STJ, a sentença que acolhe a transação penal tem natureza condenatória, ensejando, inclusive, a formação de coisa julgada, o que impediria a propositura de ação penal. Para dirimir o conflito, o STJ determinou a suspensão de todos os feitos que versem sobre tal matéria, até que a controvérsia seja decidida. Vide a decisão monocrática do ministro Sebastião Reis Júnior: https://ww2.stj.jus.br/websecstj/decisoesmonocraticas/frame.asp?url=/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/MON?seq=18215079&formato=PDF

Havendo a confirmação do caráter condenatório da sentença que acolhe a transação penal, ter-se-á, de fato, o que parte da doutrina chama de "sentença condenatória imprópria", pois se terá uma sentença condenatória que aplica pena, mas que não gera antecedentes criminais, não é passível de tornar o réu reincidente em face de nova prática de crime e nem implica em título executivo apto a ser executado na esfera cível para fins de reparação dos danos. Cumpre ressaltar, todavia, que a inadmissibilidade de oferecimento de denúncia após o descumprimento da transação ensejará um grande problema a ser resolvido pelo STJ: o que fazer com os réus que descumprem o benefício? Converter a pena em privativa de liberdade não seria o mais justo, uma vez que faltariam diretrizes para balizar o quantitativo da reprimenda a ser imposta. Deixar o réu impune seria um estímulo ao descumprimento. Aguardemos, então, uma solução da respeitável Corte...

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Para STJ comparecimento à delegacia já implica em representação

A Sexta Turma do STJ entendeu, com base em antigo entendimento do STF, que o mero comparecimento à delegacia para registro de ocorrência já implica em representação. Já que esta não apresenta formalidade prevista em lei (art. 39 do CPP), entendeu-se que o boletim de ocorrência já retrata o interesse da vítima em ver o autor do fato punido pelos crimes praticados. Ressalta-se que a Quinta Turma do STJ também já vinha entendendo no mesmo sentido - RHC 23953 DF.

Veja o recente acórdão na íntegra: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200800526790&dt_publicacao=31/08/2011

quarta-feira, 20 de julho de 2011

O Aditamento da Queixa pelo Ministério Público nos Crimes de Ação Penal Privada

No ordenamento jurídico brasileiro, considerando-se os interesses envolvidos e a legitimidade para a iniciativa, a ação penal classifica-se em pública e privada. Nas ações penais públicas, o Ministério Público, vinculado ao Princípio da Obrigatoriedade, oferecerá denúncia, deduzindo a pretensão punitiva em desfavor do acusado. Nas ações penais privadas, a titularidade está nas mãos do ofendido (denominado querelante) que, sob um critério de oportunidade e conveniência, tem a faculdade de oferecer queixa-crime contra o ofensor (querelado), requerendo sua punição.

A partir de tal diferenciação, nota-se que o Ministério Público age de forma diferenciada nas duas espécies de ação penal: nas públicas, figura como titular do direito de ação e, por ser dominus litis (dono da lide), atua como parte; nas ações penais privadas, sendo partes o querelante e o querelado, o Ministério Público atua como custos legis, ou seja, como fiscal da lei.

Assim, nas ações penais privadas, considerando a importância da tarefa de custeador e tutor da lei - pertencente ao Ministério Público -, o legislador incumbiu-lhe a particular função de impedir que a ação penal promovida pelo particular represente um instrumento de vingança legitimado pelo Estado. Não é por menos: quando se admite que o ofendido possa exercer ou não o direito de ação, não se pode ignorar que ele possa fazê-lo apenas contra alguns dos ofensores. Daí a regra prevista no art. 48 do Código de Processo Penal, segundo a qual “a queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos, e o Ministério Público velará pela sua indivisibilidade” (grifou-se).

Nota-se, então, que a atividade do ofendido, nas ações penais privadas, está vinculada ao denominado Princípio da Indivisibilidade, em virtude do qual, havendo concurso de agentes, existirá a obrigatoriedade de que a queixa seja formulada contra todos os autores, co-autores ou partícipes do crime. Do contrário, ocorrerá a extinção da punibilidade pela chamada renúncia tácita do direito de ação, prevista no parágrafo único do 104 do Código Penal (“importa renúncia tácita ao direito de queixa a prática de ato incompatível com a vontade de exercê-lo.”)

Então pergunta-se: como o Ministério Público exercerá o controle da aplicação do Princípio da Indivisibilidade se o não oferecimento de queixa em relação a um dos ofensores implica em extinção de punibilidade pela renúncia tácita?

Para responder satisfatoriamente tal questão há necessidade de se realizar uma interpretação conjunta dos dispositivos legais existentes.

Primeiramente, não se pode dizer que a fiscalização exercida pelo Ministério Público, no tocante ao cumprimento do princípio da indivisibilidade, restringe-se a apontar a ocorrência de renúncia tácita e pugnar pela extinção da punibilidade. Se assim fosse, tal fiscalização poderia ser feita pelo próprio juiz, de ofício (art. 61 CPP), no momento do recebimento da queixa-crime, a partir da análise dos fatos constantes no inquérito policial ou em quaisquer peças de informação. Para a atribuição conferida ao Ministério Público levou-se em consideração a possibilidade do Promotor de Justiça poder aditar a queixa-crime, utilizando-se da faculdade prevista no art. 45 do Código de Processo Penal. E é nos limites deste aditamento, que se encontram as principais discussões.

Alguns doutrinadores e parte da jurisprudência têm entendido que tal aditamento é restrito à inclusão de circunstâncias que possam influir na caracterização do crime, em sua classificação ou em sua pena. Não se admitiria, portanto, o aditamento para inclusão de co-autor ou partícipe quando houvesse sua injustificada exclusão na queixa-crime, pois neste caso considerar-se-ia caracterizada a renúncia tácita e, por conseguinte, a extinção da punibilidade dos autores do crime.

Nota-se que é ponto pacífico o fato do Ministério Público poder complementar a queixa no que toca à circunstâncias do crime e particularidades da pena, mas no que concerne à inclusão de co-autores e partícipes, a argumentação expendida é parcialmente vulnerável. É claro que a titularidade das ações penais privadas pertence exclusivamente ao ofendido, a ponto de não se permitir a ingerência do Ministério Público em relação à vontade manifesta do particular. Todavia, não se pode negar que a renúncia tácita somente se caracteriza com a prática, pelo ofendido, de ato incompatível com o direito de oferecer queixa. Se esta foi oferecida, mas não abrangeu todos os autores do crime, não se pode concluir justamente o contrário: que o ofendido não queria exercer o direito de queixa! Por outro lado, a prática do ato incompatível é personalíssima do ofendido e como este não é obrigado a ter conhecimentos jurídicos, não se deve fulminar seu direito pela incompletude ou inépcia da queixa. Não é à toa que a primeira parte do art. 48 do Código de Processo Penal, é certeira a ponto de afirmar que a queixa contra um dos autores do crime obrigará ao processo de todos.

Embora se reconheça o direito do ofendido de iniciar a ação penal contra o ofensor, deve se entender que o Ministério Público somente vela efetivamente pelo princípio da indivisibilidade quando tem a possibilidade de aditar a queixa e incluir co-autores e partícipes. Neste caso, após tal manifestação, caberá ao ofendido, se for o caso, discordar do aditamento e aí sim deixar clara a vontade de não dar continuidade à ação penal. Dessa forma, haveria literalmente a prática de um ato incompatível com o direito de queixa e a extinção da punibilidade daí decorrente seria equivalente a que ocorre quando o ofendido requer o arquivamento do inquérito policial – existiria, então, renúncia tácita.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Foi notícia...


A importância do Inquérito para os crimes apurados mediante ação penal privada (para os meus alunos de Processo Penal I, da UCDB e da UFMS)

Segundo a doutrina, diz-se que o inquérito policial constitui um procedimento totalmente dispensável para a propositura da ação penal. E diz-se de tal forma porque são considerados, na maioria da vezes, dispositivos legais que fazem menção à ação penal de natureza pública, como os artigos 28, 39, § 5º, 40 e 46, § 1º , do Código de Processo Penal.

Com efeito, a todo momento, verifica-se a menção ao fato de que o Ministério Público prescindirá do inquérito policial se tiver em mãos quaisquer outras “peças de informação” que lhe concedam o mínimo lastro probatório para o oferecimento da denúncia. Já no que se refere às ações penais de natureza privada, o legislador silencia sobre a possibilidade da queixa ser oferecida com base em outras provas que não sejam as colhidas no dito procedimento inquisitivo. O silêncio do legislador não é casual: se, por um lado, não exclui a possibilidade da queixa-crime não ser oferecida com base em inquérito policial, por outro, não admite a total viabilidade de tal direcionamento.

Mas o certo é que, considerando crimes de natureza privada, como os contra a honra - em regra de natureza transeunte -, o inquérito policial tem relevante papel como instrumento apto à colheita de elementos probatórios suficientes para ensejar a propositura da ação penal.

Ora, segundo as comezinhas lições da teoria geral do processo, sabe-se da necessidade de requisitos indispensáveis para tornar possível a provocação e a manifestação jurisdicional, da importância de condições mínimas que possibilitem o exercício do direito de ação e que, por tal motivo, são denominadas condições da ação. Pois bem, é neste contexto que se inclui o inquérito policial; das três condições genéricas, exigidas por lei, para o exercício da ação penal – legitimidade, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido – é possível dizer que duas delas, pelo menos, são comprováveis através do conjunto probatório colhido na primeira fase da persecução criminal.

De fato, o interesse de agir somente pode ser demonstrado por indícios suficientes de autoria e de existência do ilícito penal perpetrado, perfazendo uma suspeita fundada e razoável a ponto de justificar a perseguição processual. Nesse aspecto, não há dúvidas de que existe uma maior facilidade na obtenção tais indícios através do inquérito policial, já que o particular, ora ofendido, poderá contar com o poder de polícia para que testemunhas sejam ouvidas, perícias sejam realizadas e o próprio autor da infração possa ser indiciado. Sob outro vértice, o pedido de condenação, exposto na queixa-crime, somente é possível juridicamente quando os fatos delineados pelo conjunto informativo tiverem uma conotação jurídica, serem descritos abstratamente como típicos e, portanto, aptos a ensejarem uma apenação. Daí se falar que o preceito secundário da norma penal (sanctio juris) somente poderá ser aplicado se houver o cometimento da conduta descrita no preceito primário (preceptum juris). Por último, apesar da legitimidade para a iniciativa da ação penal já estar previamente estipulada em lei – sendo do Ministério Público nos crimes de ação penal pública e do ofendido, nos de ação privada – a legitimidade para figurar como querelado deve ser verificada in concreto, a partir de informações existentes nas provas e indícios já colhidos. Aqui, adverte-se a importância da suficiência do conjunto probatório como fator de controle e fiscalização, pelo Ministério Público, do Princípio da Indivisibilidade e, também, da possibilidade de eventual renúncia tácita por parte do ofendido.

Dessa forma, sob pena de carência da ação penal, é imprescindível a existência de elementos indicativos de autoria e materialidade da infração penal e, concluindo, tais elementos são, na maioria das vezes, demonstrados satisfatoriamente somente em inquérito policial. Ademais, as provas e os indícios colhidos em procedimento administrativo de investigação, presidido pela polícia judiciária, ganham maior credibilidade perante o magistrado no momento de receber a queixa-crime, ensejando, inclusive, relativa desigualdade de tratamento em relação ao querelante mais afoito que, desde logo, entende comprovado o fato e oferece queixa, e aquele mais cauteloso que prefere aguardar o trâmite do inquérito policial para, posteriormente, exercer o jus persequendi in judicio.

Mas não é só: as diferenças ainda subsistem em relação às ações penais de natureza pública, nas quais o Ministério Público conta com uma série de vantagens das quais não dispõe o ofendido. De fato, aquele órgão oficial pode, a qualquer tempo, enquanto não extinta a punibilidade pela prescrição ou outra causa, oferecer denúncia e iniciar a ação penal; pode, sem maiores preocupações, requerer diligências que julgar necessárias para o esclarecimento dos fatos, com conseqüente e imediata baixa dos autos à delegacia; guarda impessoalidade que o faz menos renitente ao resultado processual, além de ter a priori, a possibilidade de fiscalizar a atuação policial nesta tarefa. O particular, ora ofendido, por sua vez, conta com limites legais e desvantagens estruturais, uma vez que está, em regra, vinculado a um prazo de 6 meses para oferecer queixa-crime, sob pena de perda do direito e conseqüente extinção de punibilidade do agente infrator, além de estar a mercê da agilidade policial em concluir, a tempo, o inquérito policial. E pior: se, porventura, próximo do findar do prazo decadencial, sua queixa for rejeitada, não disporá de tempo para satisfazer as condições genéricas, exigidas por lei, para o exercício da ação penal.

Ressalta-se, assim, que o ofendido deve, o quanto antes, requerer a instauração do inquérito policial e, atento ao escoamento do prazo decadencial, colher provas suficientes que amparem sua queixa-crime. Tal cautela é indispensável, principalmente, em infrações cuja forma de comprovação, perante o juiz, é precária. Observa-se que o magistrado torna-se muito mais cauteloso quando tem em mãos uma queixa e não uma denúncia, e esta conduta é compreensível quando se recorda que o Ministério Público, por sua independência e autonomia funcional, tem, inclusive, liberdade para requerer arquivamento do inquérito policial (art. 28 CPP). Por outro lado, tal precaução é necessária na medida em que jamais poderá o juiz consentir que o poder jurisdicional venha a servir a interesses vingativos e escusos de particulares.

A partir dessas razões, infere-se a importância do inquérito policial como pressuposto para oferecimento de queixa-crime em crimes cuja existência é precariamente demonstrada.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Foi notícia...

2ª Turma do STF adota prática para evitar embargos protelatórios

A Segunda Turma do STF decidiu adotar um critério para evitar a apresentação de embargos declaratórios com caráter nitidamente protelatório: será determinada a baixa dos autos à execução, independentemente da publicação de acórdão, a partir da rejeição dos segundos embargos. Veja a notícia na íntegra: www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=181670&tip=UN

Foi notícia...

2ª Turma do STF adota prática para evitar embargos protelatórios

A Segunda Turma do STF decidiu adotar um critério para evitar a apresentação de embargos declaratórios com caráter nitidamente protelatório: será determinada a baixa dos autos à execução, independentemente da publicação de acórdão, a partir da rejeição dos segundos embargos. Veja a notícia na íntegra: www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=181670&tip=UN

Foi notícia...

Enunciados do FONAJE, de acordo com o encontro realizado em Bonito/MS, nos dias 25, 26 e 27 de maio de 2011. Vale a pena conferir:

http://www.tjms.jus.br/fonaje/pdf/Enunciados+atualizados+FONAJE+MS.pdf

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Foram notícia

Lei n° 12.403, de 4 de maio de 2011, altera toda a parte de prisão e liberdade provisória do CPP Veja a lei na íntegra:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12403.htm

STF adverte que sentença penal condenatória recorrível não impede inscrição em concurso público. O relator do feito, ministro Celso de Mello, ressaltou que a submissão de uma pessoa a inquéritos policiais ou a persecuções criminais sem caráter definitivo não tem o condão de impedir "o acesso a determinados benefícios legais ou o direito de participar de concursos públicos ou de cursos de formação”. Veja a notícia na íntegra:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=179692&tip=UN

Foi notícia...

Lei n° 12.403, de 4 de maio de 2011, altera toda a parte de prisão e liberdade provisória do CPP Veja a lei na íntegra:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12403.htm


quarta-feira, 18 de maio de 2011

Foi notícia...

STJ reconhece crime impossível para furto cometido sob monitoramento eletrônico

A Segunda Turma do STF considerou crime impossível uma tentativa de furto pelo fato dos objetos almejados se encontrarem sob constante monitoramento eletrônico, razão pela qual não chegou a haver nenhuma lesão, já que a tentativa restou frustrada. Veja a notícia na íntegra:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178593&tip=UN

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Foram notícia...

Habeas Corpus preventivo para participantes da Marcha da Maconha

O juiz do 4º Juizado Especial Criminal do Leblon (RJ) concedeu HC preventivo para que manifestantes possam participar, sem serem presos, da Marcha da Maconha, que acontecerá no próximo dia 07 de maio. Veja a decisão na íntegra:

http://s.conjur.com.br/dl/marcha-maconha-rj-2011.pdf

STJ reconhece crime impossível para furto cometido sob monitoramento eletrônico

A Segunda Turma do STF considerou crime impossível uma tentativa de furto pelo fato dos objetos almejados se encontrarem sob constante monitoramento eletrônico, razão pela qual não chegou a haver nenhuma lesão, já que a tentativa restou frustrada. Veja a notícia na íntegra:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178593&tip=UN

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Vamos voltar a aplicar a Lei Seca?

Partindo do pressuposto de que “bebida e direção não combinam”, foi editada em junho de 2008 a denominada Lei Seca que, alterando o Código de Trânsito Brasileiro, considerou gravíssima a conduta de dirigir sob a influência de álcool e impôs, como penalidades administrativas, uma pesada multa e a suspensão do direito de dirigir por 12 meses. No âmbito criminal, essa mesma legislação vedou benefícios para aqueles que, estando embriagados, praticassem delitos na direção de veículo automotor, tornando possível, em caso de morte da vítima, a classificação do crime como homicídio doloso.

Segundo pesquisas publicadas, nos dois primeiros meses de aplicação da Lei Seca, entre julho e agosto de 2008, houve uma redução de 24% no número de mortes no trânsito em todo o Brasil, além de uma diminuição de 35% nos atendimentos de socorro da rede SAMU – uma clara demonstração de que tal lei, se cumprida, é eficaz, sendo apta não só a salvar vidas, mas também a promover economia para os cofres públicos.

Contudo, após quase três anos de vigência, a realidade que vivemos é bem diferente: a fiscalização do cumprimento da Lei Seca é mínima e a prevenção da prática de crimes de trânsito por quem faz uso de bebida alcoólica é praticamente inexistente.

Atualmente, só damos conta dos males que o uso indiscriminado do álcool ocasiona quando o resultado danoso já aconteceu, quando uma tragédia estampa os jornais e o triste resultado é irreversível. Então, todos clamamos por justiça e pedimos a aplicação da lei – a mesma lei que, simplesmente, já esquecemos de cumprir!

Ora, é sabido que o álcool é tão ou mais nocivo que o cigarro e, no entanto, toda a política pública é voltada para o combate ao fumo! Embora não seja dada a tal vício, acompanho, há algum tempo, as restrições, cada vez mais severas, impostas aos fumantes, as propagandas chocantes e as advertências destacadas de que “fumar é prejudicial à saúde”. Em contrapartida, a veiculação escancarada de marcas de cerveja na televisão, por exemplo, deixa claro que o poder público faz “vista grossa” para todos os problemas que advem do uso irrestrito (e incentivado) de bebida alcoólica. Não se reconhece que o mesmo estabelecimento que é duramente multado pela presença de fumantes em suas dependências exibe freqüentadores assíduos, que não sabem o momento de dizer não ao garçom que traz o próximo chope.

Ressalta-se, ainda, que o álcool é desencadeante de muitos outros problemas de ordem social, entre eles a tão falada violência doméstica e familiar contra a mulher. E, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a porcentagem de mortes advindas do consumo de bebida alcoólica é maior do que as causadas por aids, violência e tuberculose. Por tal motivo, inclusive, o Brasil já se comprometeu, perante a comunidade internacional, a adotar medidas e restrições à comercialização de bebidas alcoólicas, estando entre elas o aumento da tributação de tais produtos. Infelizmente, quase nada saiu do papel...

Nos últimos meses tem sido freqüentes as notícias sobre homicídios praticados por jovens embriagados na direção de veículos automotores. Na mesma proporção, multiplicam-se as denúncias em que são classificados como dolosos (intencionais) os crimes praticados no trânsito por condutores que fizeram uso de bebida alcoólica. O que antes constituía um exemplo inusitado das aulas de Direito Penal, tornou-se praticamente regra: quem comete um homicídio no volante, tendo feito uso de álcool, assume o risco de produzir a morte de terceiros e, portanto, deve ser levado a julgamento pelo Tribunal do Júri.

Não se discute neste momento se está certo ou errado tal entendimento, mas não se pode deixar de reconhecer que a fiscalização ao cumprimento da Lei Seca deve continuar, ainda que se adotem campanhas de conscientização e se promovam medidas para aprimorar a educação no trânsito.

Sinceramente, parece-me hipocrisia pensar que a prevenção ao cometimento de crimes na direção de veículo automotor, em razão do consumo de bebida alcoólica, não precisa estar atrelada ao cumprimento da lei. Entender dessa forma implica em visualizar apenas as conseqüências do problema, descurando-se de suas causas. Significa enxergar a morte no trânsito apenas como um fato que precisa ser punido, mas que não precisa ser, necessariamente, evitado! Daí o apelo: vamos voltar a aplicar a Lei Seca?

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Colocando em ordem o Exame de Ordem

Muito se tem falado e muitos tem opinado a respeito do Exame de Ordem (OAB). Como advogada e professora universitária há 15 anos, tomo a liberdade de tecer algumas considerações sobre esta tão decantada avaliação. São ponderações de quem milita no foro, já fez parte da comissão de elaboração do Exame de Ordem em nosso Estado e prepara, três vezes ao ano, bacharéis para enfrentar a segunda fase do exame em Direito Penal.

Em primeiro lugar, faz-se necessário desmistificar o papel que se impõe às instituições de preparar o aluno para o Exame de Ordem. Sinceramente, parece-me que as universidades públicas e particulares não tem esta incumbência específica. O papel do ensino superior é gabaritar o aluno com conhecimentos mínimos para adentrar ao mercado de trabalho, seja da advocacia, do magistério ou das carreiras públicas.

Semestralmente não se formam “advogados” nas instituições de ensino superior do Brasil, mas, ao contrário, “bacharéis em Direito” que, consoante seus interesses e vocações, optarão pela seara que mais lhes agradar. Aliás, se de fato fosse interesse das instituições priorizar uma carreira em detrimento de outra, muito provavelmente não se optaria pela advocacia, uma vez que a maior parte dos alunos formados em Direito está buscando, em meio aos altos e baixos do mercado de trabalho, a estabilidade profissional que a carreira pública propicia.

Assim, de forma rotineira, os minguados índices de aprovação no Exame de Ordem vem a tona na imprensa escrita e falada, enquanto que a aprovação no concurso da Magistratura, do Ministério Público, da Defensoria, entre outros, é pouco noticiada. Não se questiona quantos se inscreveram para um concurso estadual ou federal e quantos, ao final do certame, foram aprovados. Não se pergunta se o número de vagas, para a carreira pública desta ou daquela região, foi preenchido. Não se fala dos milhares de candidatos que se inscreveram e dos pouquíssimos, ao final, aprovados... Não há interesse pela seleção de profissionais outros que exercerão cargos e funções públicas, privativas de bacharel em Direito. E note-se que a seriedade da seleção é a mesma. E assim deve ser: mesmo porque, ao final das contas, trabalhamos todos com interesses alheios, o que redobra nossa responsabilidade e amplia nossa cautela.

Afirmar, então, que o baixo índice de aprovação no Exame de Ordem está, necessariamente, atrelado a pouca qualidade do ensino universitário implica em desprezar a

realidade dos alunos que ingressam anualmente no ensino superior. É desconhecer que, numa época globalizada, as lições passadas nos bancos universitários não conseguem contemplar as informações, cada vez mais minuciosas e aprofundadas, que são cobradas, com veemência, nos concursos e avaliações realizadas país afora.

Neste contexto, deixo claro o pessoal entendimento de que o Exame de Ordem deve sim ter o mesmo grau de dificuldade de um concurso para a Magistratura ou Ministério Público. Até porque a atuação capenga de um causídico compromete sobremaneira os interesses daqueles que por ele são mal representados. Mas um aspecto deve ser ressaltado: o Exame de Ordem não pode ser um instrumento indiscriminado de reprovação em massa.

Tenho acompanhado excelentes alunos que, a mercê de se mostrarem extremamente preparados, não alcançaram êxito no Exame de Ordem. São aqueles que sofrem as injustiças de provas mal elaboradas, permeadas de questões dúbias e, o pior, sem critérios claros e razoáveis de correção. É incrível como tais aspectos não são sequer cogitados quando os altíssimos índices de reprovação no Exame da OAB estampam os jornais.

Por outro lado, é inegável que a qualidade do ensino e a formação dos professores são essenciais para um bom desempenho profissional, assim como é óbvio que o aluno bem preparado tem maiores chances de ser e se tornar, o quanto antes, um bom advogado, um bom juiz ou um bom promotor. Por isso não desprezo o infeliz fato de existirem instituições que, de forma pouco comprometida com o ensino, entregam à sociedade bacharéis sem um mínimo de formação. Para estes, a frustração não ocorrerá apenas na reprovação no Exame de Ordem, mas em qualquer concurso que fizerem. Para conseguirem seu lugar ao sol na advocacia ou numa carreira pública, terão de redobrar esforços e recobrar o tempo desperdiçado, de sorte que o Exame de Ordem não será (como não é) o único termômetro de sua capacidade profissional.