segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

O mero descumprimento de medida cautelar não basta para a decretação de prisão preventiva


Segundo o site de notícias do STJ do dia de hoje – 09 de janeiro de 2012 – o mero descumprimento das medidas cautelares do art. 319 do Código de Processo Penal não basta para a decretação de prisão preventiva, cabendo ao magistrado verificar a existência dos requisitos previstos no art. 312 do CPP (http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=104384)
Consoante o caso narrado, o acusado do crime de venda ilegal de combustível teria sido preso em flagrante e recebido liberdade provisória mediante pagamento de fiança, ficando sujeito à medida cautelar de não deixar sua residência no período compreendido entre 22 e 6 horas, todos os dias. Contudo, como foi flagrado ingerindo bebida alcoólica em um bar após as 22 horas, teve sua prisão preventiva decretada com base no art. 343 do CPP: “o quebramento injustificado da fiança importará na perda da metade do seu valor, cabendo ao juiz decidir sobre a imposição de outras medidas cautelares ou, se for o caso, a decretação da prisão preventiva”.
A decisão foi proferida em sede de liminar em um Habeas Corpus (HC 229052), pelo presidente do STJ, Ministro Ari Pagendler, mas já indica como o tribunal da cidadania poderá interpretar as modificações, trazidas pela Lei n° 12.403, ao Código de Processo Penal, no ano que passou.
A idéia de prisão preventiva como ultima ratio se fez presente no julgamento, realizando-se, ademais, interpretação sistemática do art. 312 do CPP. Assim, ainda que o parágrafo único do referido art. 312 estabeleça a possibilidade de decretação de prisão preventiva em caso de descumprimento de qualquer obrigação imposta por força de medida cautelar, o caput de tal dispositivo exige a presença de requisitos e pressupostos específicos para a sua decretação.
Por outro lado, não custa lembrar que o próprio art. 282 § 4° do CPP adverte que no caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único).
É claro que se trata de uma interpretação garantista por parte do STJ, mas, sem sobra de dúvidas, compatível com a intenção do legislador.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Reconhecimento de Pessoas e Coisas: algumas considerações sobre este intrincado meio de prova

No Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais do mês de dezembro de 2011, Mariângela Tomé Lopes, ao abordar o reconhecimento de pessoas e coisas como meio de prova, traz um dado bastante interessante: numa pesquisa realizada pela ONG norte-americana denominada “The Inocence Project”, constatou-se que 75% das condenações de inocentes se devem a erros cometidos por vítimas e testemunhas ao identificar suspeitos no ato do reconhecimento.

Sinceramente não duvido nem um pouco dessa estatística...

No ano de 2005, eu e Andréa Flores atendemos um rapaz que tinha acabado de ser preso, sob a suspeita de ter cometido uma tentativa de estupro contra uma criança de 9 anos de idade. Fomos procuradas por um ex-aluno que conhecia a mãe do rapaz e que atestava não somente a sua idoneidade, mas a de toda a sua família.

Como tomamos conhecimento, a polícia foi chamada logo após o crime e, mediante diligências empreendidas no bairro, abordaram nosso cliente ao sair de casa. Imediatamente, dois policiais militares o levaram até a casa da menina e, na presença e por pressão de vizinhos e familiares, a pobre criança acabou por apontá-lo como o autor da violência sexual. Na delegacia de polícia, o tio do rapaz (bem mais velho que ele), foi colocado ao seu lado, juntamente com um terceiro “de capacete” (pasmem!), para ser reconhecido. É claro que a criança não teve dúvidas em apontar aquele que inicialmente o haviam “apresentado” como autor do crime.

Foi uma peleja para demonstrar a ilegitimidade da prova, a ilicitude do reconhecimento feito às pressas, de afogadilho e totalmente ao arrepio das regras do Código de Processo Penal. A condenação adveio do juiz de primeira instância, de sorte que só conseguimos a tão almejada absolvição no Tribunal de Justiça.

Foi um caso emblemático, daqueles que não se esquece. Mesmo assim, para não perder os detalhes das provas que foram por nós incansavelmente produzidas, fotocopiamos o processo “de fio a pavio” e guardamos em nosso arquivo.

Atualmente, arrepia-me a idéia de reconhecimento. Na sustentação oral que fiz no Tribunal, falei de todas as evidências que demonstravam a inocência de nosso cliente, fazendo questão de ressaltar a triste sensação que restava para nós, professoras e advogadas naquele momento: a de que a prática não precisa ser igual à gramática.

Na época, encontramos um julgado que se amoldava como uma luva ao que havia acontecido:

Prova – reconhecimento – agente apresentado pela polícia à vítima como tendo sido o autor do delitosuspeição da diligência ante o sugestionamento do sujeito passivo – “É suspeito o reconhecimento do agente pela vítima, se efetivada a diligência após ter sido aquele apontado pela Polícia ao ofendido, como o autor da infração”. TACRIM-SP, Rel. Cunha Camargo, JUTACRIM 35/50 – grifou-se.

Certa vez, Ada Pellegrini Grinover ressaltou a importância das formalidades dos atos processuais para as partes – uma garantia contra os arbítrios e desmandos de qualquer autoridade.

Hoje não me resta qualquer dúvida sobre tão lúcida afirmação!